sábado, 20 de agosto de 2011

O ventre no fundo do poço



No fundo do poço a umidade verte das lágrimas salgadas, que escorrem de uma face amargurada, desamparada, encoberta pela escuridão.

Imensas paredes fazem ciranda, dançando imóveis ao redor de um vulto esquecido nas entranhas da solidão;

Sem luz, sem amor, sem rumos a seguir, sem asas para voar. Somente um buraco profundo onde o vazio da própria existência teima em se alojar.

Fragmentos de sentimentos, mergulhados em breus de desilusão. Forjados nas sombras do passado. Restos de lembranças à deriva em oceanos de densas tristezas sofridas.

Desce como a noite o véu frio da ruína, caindo sobre o singelo corpo ferido, lançando-o em desatino ao encontro de seu destino.

Nos braços do tempo, frágil carcaça é acolhida. Transformando dores em múltiplas cores. Morte em vida, escrevendo novas histórias por estradas desconhecidas.

O poço vira ventre. O vulto semente. O fim reinicia. A vida se faz presente. A veste amargurada é abandonada. Dando lugar a nova pele, e a esperança enfim renasce em um sorriso criança de felicidade.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Baratas e baratos (do chinelo a chinelada)

Apesar de toda discórdia entre os povos, que muitas vezes utilizam utensílios como a pólvora para fazer valer seus pontos de vista, nem que isto cegue a vista dos outros. Apesar de toda diversidade de opiniões, que em tantas ocasiões são vociferadas em cuspe, falando inclusive de paz, em suas palavras carregadas com tons de guerra. Apesar de toda gama de idéias que destroem ideais, e que geralmente retumbam na impossibilidade diálogos, elevando a zero as chances de consenso sobre qualquer assunto. Em uma coisa todos concordam, as baratas não são e nunca foram o maior barato do mundo.

Mas querem saber de uma coisa? Posso lhes afirmar que todas aquelas baratinhas asquerosas e covardemente corajosas (pois parecem tirar vantagem do asco que sentimos delas), não estão nem aí para nossos consensos ou pensamentos sobre elas. As baratas estão antenadas em outra coisa muito mais importante: a própria sobrevivência.

Com suas asinhas de anjo (que não parecem asas de anjo, mas servem para voar do mesmo modo) e seu jeitinho de demônios das profundezas gargulescas de algum inamistoso inferno, as baratas se espalharam, invadiram e dominaram muitas áreas do mundo (incluindo banheiros, quartos e cozinhas também), sem a necessidade de utilizar qualquer bomba para alcançar este intento e sem nem mesmo saber o que significa a palavra “intento”. Pois elas apenas seguem uma das premissas básicas, sugeridas ao próprio homem, ou seja: “crescei e mutiplicai-vos”.

As baratas sobrevivem até aos explosivos holocaustos nucleares que rolaram por aí, mandando muita coisa pelos ares. E ainda temos a inocente pretensão de tentar exterminá-las na base da chinelada. E continuamos produzindo cada vez mais chinelos para nos calçarmos e subconscientemente nos armarmos contra esses batalhões de baratas. E nada melhor do que uma boa feira de ofertas para comprarmos chinelos em promoção, sem gastarmos um montão.

Mas algumas pessoas acham que lugares onde os produtos são baratos estão impregnados de baratas. Outros já alegam que o barato sai caro, mas continuam adquirindo CDs piratas, peças roubadas para deixar seu carrinho maneiro, e se bobear, até peças falsificadas para usarem em seus banheiros.

De um modo geral as pessoas gostam do barato, pois economizam seus trocados. Outras gostam do barato advindo da bebida, das drogas, da aventura (bons e maus baratos). E no quesito aventura, um grande aliado é a resistência para curtir estas fortes emoções. Talvez aí resida um dos baratos da barata, conseguir suportar muito mais do que nós, seres humanos. Ela (a repugnante barata) consegue ficar uma hora ou até mais copulando (no rala-e-rola com roça-roça, no chamegão do balakubako, no esfrega-esfrega fazendo um canguru perneta com outra igualmente repugnante barata, entendeu ou quer que eu desenhe?), enquanto o ser humano de modo geral não chega nem perto da sombra disso.

A barata agüenta ficar o dobro do tempo de um ser humano sem água, e consegue ficar mais de 30 minutos submersa (o campeão de apnéia de 2008 conseguiu ficar pouco mais de 14 minutos embaixo d’água). As baratas conseguem viver até um mês sem a cabeça, mas se levarmos em conta que muitos humanos nunca usam a cabeça, isto até que não é tão incrível assim.

Por outro lado, em alguns casos o ser humano consegue se sobressair aos feitos das baratas, por exemplo, a barata consegue ficar em média até 30 dias sem comer, mas os brasileiros em sua grande maioria conseguem ficar uma vida inteira sobrevivendo apenas com um salário mínimo (às vezes nem isso), algo que nos dá um certo respeito (muita dó, e até uma boa dose de pena) por parte das baratas que conhecem a realidade brasileira.

Enfim (gosto de terminar meus textos com esta expressão), o maior barato da barata parece ser demonstrar aos humanos que elas vieram para ficar, afinal a barata é uma guerreira, sobreviveu desde tempos imemoriais, sem receber qualquer memorial por isso, passando por calamidades pelas quais poucos seres vivos resistiriam. Elas chegaram aqui muito antes de nós, e agora sofrem chineladas, jatos de spray, e armadilhas de veneno, mas provavelmente acabarão vivendo por aqui muito tempo depois que nossa raça já tiver sido extinta, ou talvez não, já que o ser humano tem uma mania chata de querer se destruir aniquilando e arrastando todo o resto do planeta junto.